sábado, 8 de agosto de 2015

Antiode aos ternos

São três horas da tarde
No centro da cidade
Mais de mil pessoas
Em cada metro quadrado
Coexistem como se pudessem
Ocupar o mesmo espaço
Como se quisessem
Estar ali

Há vozes por todos os lados
Há pressa em passos largos
E aquela pontada de dor ou agonia
Que grita pelos arredores do estômago
Por não ser capaz de escolher
Entre o relógio e a asfixia

Os dias são todos iguais
Morre-se cinco para viver dois
Tudo é cinza, frio e pálido
Desde os rostos até o céu
A única gota de tinta
Mora dentro dos semáforos
Pequenos mestres que mandam nas ruas
Imodestos em cor indesejada
(Antes fôssemos mesmo daltônicos)

As semanas são todas iguais
Tudo se repete num carrossel
Não há tempo para ajudar com as sacolas
Ou com o exercício de português
Não há tempo
Há cavalos
Girando
Carregando peso nas costas
Enjoados, absolutamente tontos
E sorrindo
Sem nunca chegar

São seis horas da tarde
No centro da mesma cidade
Mais de mil pessoas
Em cada metro quadrado
Coexistem como se nunca
Tivessem sido crianças
Como se nunca
Tivessem andado descalças
Como se nunca
Tivessem sonhado
Ser qualquer outra coisa
Ridiculamente oposta
A tudo aquilo que se é










terça-feira, 2 de junho de 2015

Incômodo

O cômodo é pequeno
E absolutamente apertado
Não há espaço suficiente entre as paredes
Nem claridade
O ar é pouco e a luz escassa
Sufoca
Há que se inventar asa para fugir do desconforto
Da agonia de estar trancado
Estático
É preciso entender-se vapor
Para sair pelas frestas dos portões fechados
Os muros são feitos de mármore
Pálido e frio
Há pulso nos corredores
Fazendo eco
Ou algum tipo de música que não se ouve
Mas dói
Em um emaranhado de nervos furtivamente impermeáveis

Nenhum ser que se move foi feito pra viver preso
Nem os que erram

Há que se escapar da claustrofobia do corpo
Dos limites impostos pela existência da carne

Esgueirar-se da própria matéria
Virar passarinho
Vento
Primavera
Decompor-se e reintegrar-se
Mais de um milhão de vezes
Até se perceber pó e, então, refazer o que se era

O poema, nessa sala, é a resposta
A saída
A entrada de ar
A chave que trouxeste
Em palavras ainda úmidas e impregnadas de sono
Desperta-se

O poema é a janela!






terça-feira, 13 de agosto de 2013

Era tudo estranho por ali, naquela sala sem cortinas e sem portas. Não tinha cortinas porque não havia janelas e não tinha portas porque não havia saída. Paredes sem fim e um chão que se confundia com elas. Não havia móveis também, nem quadros ou teto. Naquele lugar só havia estrelas. Estrelas de vários tamanhos. Apáticas. Caídas. A sala não morava perto do céu e elas nunca aprenderam a viver sem ele. Olhei de longe.. estranhei. Eu era uma delas. Compunha aquela galáxia esquecida. Semi morta. Estrelas partidas que, sem pontas, eram como um círculo qualquer. Esferas inúteis formando uma constelação de ausências. Em meio ao vazio surgiu um brilho inesperado. Depois outro.. E outro. Eram lágrimas de uma estrela doente. Doía. Começamos a chorar juntas e descobrimos, também juntas, que lágrimas de estrelas são belas como a chuva. E chovia. Chovia saudade. E era tanta que, de repente, cobriu o chão e a alma. E os corpos redondos. Flutuamos! Em pouco tempo a sala estava cheia. Era bonito. O mar de lágrimas fazia ondas.. e crescia. Subia entre as paredes infinitas. Olhei pros lados e estávamos tão alto que eu não conseguia ver o chão. As estrelas se alegraram uma a uma. Fechei os olhos e procurei minha tristeza. Já não existia. Havia brilho e alegria por toda parte. Estávamos mesmo perto do céu.

Você estava lá. E eu que nunca soube que cachorros gostavam de nuvens..

"Virei estrela porque meu lugar é ao seu lado"

Renasci!

Lá de baixo, alguém olhou pra cima

Foi a noite mais bonita que já se viu.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Há flores por aqui
Que saudade eu tive delas
E de sê-las além de tê-las
De dormir semente
E acordar jardim

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Menina dos olhos de céu

Ela corria como quem quer chegar mas girava e dançava cirandas e sorrisos como quem se esquece que existe o tempo. As tranças brincavam junto ao vento enquanto o vestido não se preocupava tanto com ele. Às vezes caía e rolava e ria de si mesma, e limpava as mãos na roupa, se sujando ainda mais. Coisas belas de criança. Corria, tropeçava e corria. Corria e ria mais um pouco. Até que avistou alguém que, ao contrário dela, caminhava mais por costume que por vontade. Não dançava nem brincava. Cabelos brancos e corpo quase sem corpo. O rosto cheio de rugas, que seriam lindas se não residissem num lugar tão apático. As duas se viram. Senhora e menina. Olharam-se nos olhos e depararam-se com o mesmo céu. Entenderam-se iguais em nuvens, sol, gaivotas e balões. Lágrimas insistentes nasciam enquanto a menina se reconhecia. E era tudo preto e branco do outro lado. Tudo desbotado no céu de seu futuro. Ela procurou alguma alegria esquecida entre as estrelas, algum pedaço de azul perdido naquele infinito opaco. Nada. Saiu correndo e, dessa vez com pressa, caía e não ria, tropeçava e chorava. A sua tristeza era a esperança da senhora. As tranças agora travavam uma luta contra o vento e o vestido, ainda despreocupado, era apertado com força pelas mãos cheias de terra e de medo. Chegou em casa e abriu as gavetas. Arrancou delas cadernos e brinquedos. Olhou por toda parte, arrastou móveis, sonhos e desesperos. Levantou lençóis e se pôs novamente a chorar. Até que se lembrou da mochila. A mochila velha das aulas de artes. Abriu correndo e tirou os vazios e o guarda-chuva. E com o sorriso tranquilo de quem encontra uma solução mágica pra apagar de sua vida a futura dor.. fechou os olhos aliviada, deitou em sua cama e dormiu abraçada.. com sua caixinha de lápis de cor.

sábado, 25 de agosto de 2012


Vem, me abraça forte e feche os olhos. Se lembre do carinho do teu filho e do rosto da tua mãe. Recolha teus sonhos não vividos, tuas eternidades curtas e todas as pétalas que coloriram teu longo caminho. Guarde-as no teu lugar mais bonito. Acolha teus encantos, teu medo de mar, tua mania de rir e tua dança na chuva. E se alegre antes de tudo terminar. Se alegre que essa foi a tua vida. Tua avenida enfeitada de margaridas e de erros tão lindos. Lindos porque são teus. Lindos como os teus olhos cansados. Vem que esse mundo não dá conta do amor que a gente decorou a vida inteira. Tente não ouvir os chamados que tudo já vai desabar sobre nós. E debaixo de todos os pedaços de história que irão nos cobrir e nos levar embora, não será o último dia, porque amores não combinam com finais. Não se preocupe. Lá estaremos plantados porque é assim que se começa. Como as sementes das mesmas margaridas que outrora forraram teus caminhos. Também tão lindas. Como você e esses teus olhos que nunca mais se abrirão em belas manhãs de domingo. Pobres manhãs que terão que existir sem te ver acordar. Descanse agora que o céu está sorrindo e vestido de nuvens só esperando a gente chegar. Esse é só o começo do fim da nossa vida..

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Não há lares pra todos. Nem mares, nem abraços ou poesia. Não há nada que nos salve ou que dê ao mundo ideia mais bonita que a vertigem conformada e estagnada que o habita. Não aqui. Não há futuro algum que revele sândalos que brotam em bosques imaginários e, em nós, qualquer coisa com cor de arco-íris. Agora as flores caem durante a primavera, verões são folhas secas e o outono, quase inútil, prepara o berço pro tempo dormente de nuvens carregadas de falta de amor. Não há nada que as reprima. Precipitam em precipícios de sentimentos que residem, quase sempre, em um lado só. Escorrem pelo chão e pelos olhos nos enfeitando com sua beleza patética. Ou poética. O senhor do mundo é o abismo por onde caem, de mãos dadas, ideais e eternidade. Efêmeras alegrias tomam conta de corações cansados que, trôpegos, se arrastam e se sustentam em edifícios de areia e castelos de promessas vãs.

Queria encontrar um lugar melhor pra morar. Pra onde eu pudesse levar todos os jardins que eu aguentasse em minhas costas. Seria forte o bastante pra trazer você comigo. Eu, você e mil jardins num novo abrigo. Forrado de sonhos e bordado de estrelas.

Algum tempo depois, seria finito tudo mais que não fosse nós dois..

E o mundo, por erro ou por sorte
Em seu leito de rio e de morte
Nos diria em seu fim prematuro ou tardio:
'Tolo fui eu, que tentando me privar da dor
Escolhi não morrer de amor
E acabo por morrer de vazio.'